“Fingi que era surdo para não apanhar”: como é “turistar” no Afeganistão

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Longe do Brasil há dez anos, o gerente de negócios Kalebe Ávila, 28, sempre foi o adolescente que fugia do convencional, tinha fascinação por histórias e temas relacionados à União Soviética. E ele escolheu a Rússia para cursar a faculdade de relações internacionais e aprimorar os seus conhecimentos no idioma.

Durante a graduação, ele estudou com pessoas de diversos países, principalmente da Ásia Central, o que despertou ainda mais curiosidade sobre essa região. “Eu estudei com muita gente do Turcomenistão, Uzbequistão e outros países que fazem fronteira com o Afeganistão. Desde então, tive muita vontade de conhecer esses países”, diz.

Após deixar a Rússia e se mudar para China, ele pensou que poderia ser uma ótima oportunidade de conhecer o Afeganistão, já que morando no oriente é mais fácil para tirar vistos e ter acesso à embaixada.

Eu sou apaixonado por países que eram ex-repúblicas soviéticas. Como no Afeganistão a gente só vê violência, resolvi ver de perto o que há no país”, diz.

Na época, ele checou quais cidades e regiões estariam seguras para fazer a visita, já que o local é considerado uma zona de guerra.

Depois de algumas questões burocráticas, ele passou por uma entrevista na embaixada do Afeganistão e o diplomata perguntou “por que você quer ir para lá?”. Ele alegou que iria fazer trabalho voluntário e depois conseguiu a permissão para entrar no local. Em 2019, Kalebe esteve no país duas vezes.

Saga para chegar ao país

Como não há voos direto para o país, o gerente de negócios precisou ir até Dubai. Chegando lá, é necessário pegar um voo para a capital Cabul ou ir para países próximos. Na primeira visita, ele atravessou a pé a fronteira do Uzbequistão com o Afeganistão e visitou o norte do país que, na época, era considerada a mais segura.

“Mas isso muda muito constantemente. De uns tempos para cá, a mesma região foi tomada pelo Talibã “, relembra.

Chegando lá, ele contratou um guia local para mostrar as principais atrações da cidade e também para preservar sua segurança. Mesmo sendo brasileiro, Kalebe não teve dificuldade de andar pelas ruas, já que era parecido com os próprios afegãos. “Eu usei a roupa típica slalwar kameez e parecia que era de lá mesmo”, conta.

Ele ainda se hospedou em couchsurfing — em que um anfitrião recebe o turista em casa e não cobra nada pela estadia. “A comunidade afegã é muito ativa nessa rede. A questão é confiar ou não”, diz Kalebe.

Polícia corrupta

Por causa da sua paixão por bandeiras, Kalebe passou apuros com a polícia do país. Em busca do souvenir perfeito, ele se perdeu e chegou até o centro da cidade. Em algumas regiões, os locais são cercados de muros antibombas, que protegem embaixadas, hotéis e prédios da polícia.

O brasileiro conta que os muros tinham pinturas muito bonitas e ele resolveu tirar algumas fotos do local. Porém, alguns segundos depois, foi abordado e advertido pela polícia e levado para um compartimento. “Descobri que ali era a sede da polícia nacional. Escondi muito meu passaporte, caso eles pedissem algum tipo de propina. Infelizmente países dessa região são extremamente corruptos”.

Mesmo tentando explicar que era turista e que não entendia o que os policiais estavam falando, Kalebe teve que ligar para o homem que o hospedava para pedir ajuda. Ao chegar no local, ele explicou o que estava acontecendo e deu o passaporte. “Ele traduziu o que os policiais falaram e me disse que se eu não conhecesse ninguém em Cabul iriam me prender por duas semanas. Fiquei surpreso e depois os policiais pediram para eu apagar a foto”, conta.

Mas, para a surpresa do brasileiro, os agentes ainda o convidaram para tomar um chá na saída da sala. “Aprendi. Nunca mais foto do muro”, relembra rindo.

“Fingi que era surdo-mudo para não apanhar”

Na segunda vez em que esteve no país, Kalebe resolveu explorar algumas cidades sozinho e pegar o transporte bem popular entre os afegãos: uma van.

Assim como em alguns lugares do Brasil, o veículo é usado para transportar passageiros. O que ele não sabia é que homens não podem sentar ao lado de mulheres dentro deste tipo de transporte.

Entrei, vi um banco vazio e era do lado de uma mulher. Na hora que sentei, começaram a gritar tanto que achei que ia apanhar ali mesmo”, relembra.

Para não cair em uma situação ainda pior, o gerente de negócios inventou que era surdo-mudo e começou a colocar a mão no peito — um sinal considerado pelos afegãos, como desculpa e respeito. Ele se sentou em outro banco e não foi agredido pelas pessoas dentro da van.

Em uma outra situação, Kalebe e seu anfitrião estavam indo de Cabul para a província de Bamyan, e ele também precisou fingir que não falava e não escutava. “O homem que me hospedou disse que estava com medo de verem que sou turista e fazerem algo comigo. No Afeganistão, é muito comum pegarem carros compartilhados e eu não pude falar com ninguém. Fiquei quieto o caminho todo”, conta.

Kalebe relembra ainda que depois o homem traduziu e disse que muitas pessoas perguntaram por que ele não falava e ele disse “meu primo é surdo e não entende”. O afegão ainda o aconselhou deixar suas coisas dentro de casa e levar somente o necessário dentro de uma sacola de plástico. Terra Brasil

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