Mãe de bebê que “dorme” há 1,5 ano sonha em ouvir o choro da filha

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Assim que nasceram, no dia 13 de maio de 2019, as gêmeas Ana Júlia e Ana Sofia não choraram. Com o passar dos dias, os médicos notaram outros comportamentos: as meninas não abriam os olhos, passavam o tempo todo dormindo, não se mexiam e não tinham nenhum reflexo de dor, em resumo, não esboçavam qualquer reação. Ao longo dos meses, elas foram submetidas a vários exames e examinadas por diversos profissionais, mas nenhum conseguiu fechar um diagnóstico.

“Em 2018, tive um relacionamento rápido com o pai das crianças, após um tempo senti um mal-estar e fraqueza. Fui ao hospital, fiz alguns exames de sangue e descobri que estava grávida. Nesse mesmo dia, fiz um ultrassom e soube que teria gêmeas, mas ainda não sabia o sexo.

Minha primeira reação foi de medo, estava com receio de contar para a minha mãe e ela não aceitar pelo fato de eu ser solteira e também pela minha idade: na época eu tinha 20 anos. Contei a novidade para ela e ela ficou bastante feliz, assim como eu. Contei para o pai das crianças, mas ele não se importou e desde então não temos mais contato. Ele nunca conheceu as meninas.

Uma cirurgia de apendicite no meio do caminho

Aos três meses de gravidez, comecei a sentir dor e umas pontadas fortes na barriga. Fui ao pronto-socorro, fiz alguns exames e a única coisa que descobriram é que eu tinha alguns miomas, mas, segundo os médicos, isso não era o motivo da minha dor.

Entre idas e vindas no hospital, fiquei internada e um dos médicos disse que teria que abrir a minha barriga para ver o que eu tinha. Ele explicou que havia o risco de vida para mim e para as bebês, mas que era um procedimento necessário para entender por que eu sentia tanta dor e por que nenhum remédio fazia efeito.

Eles abriram a minha barriga, viram que era apendicite e fizeram a cirurgia. A dor passou, fiquei hospitalizada um mês em observação e depois tive alta. Por causa dos miomas e desse procedimento, minha gestação se tornou de alto risco. Não podia fazer esforço e tinha que ficar em repouso. Trabalhava como secretária, mas tive que pedir demissão do emprego. Foi um período difícil.

Do quarto ao oitavo mês, só saía para ir às consultas e ultrassons. Morava com a minha mãe e era a única que trabalhava e que tinha uma renda. Sem emprego, nós passamos por necessidade. Recebemos doações de cestas básicas e do enxoval das crianças: berço, guarda-roupa, fralda, roupinhas, do pessoal da igreja, de amigos e familiares.

Nascimento prematuro e nenhuma reação

No dia 13 de maio de 2019, a Ana Júlia e a Ana Sofia nasceram de um parto cesárea com oito meses. Assim que elas nasceram, não choraram, o obstetra fez um estímulo, mas mesmo assim elas não responderam.

Depois do parto, apaguei e acordei em um quarto com muita dor de cabeça. As meninas foram colocadas em um berço ao lado da minha cama. Elas estavam dormindo, mas depois de um tempo a Ana Júlia ficou roxinha e foi levada para ser examinada, passados alguns minutos, aconteceu a mesma coisa com a Ana Sofia.

Elas estavam com dificuldades para respirar e precisavam de oxigênio. Como ainda estava debilitada, os médicos falaram para a minha mãe que não era normal elas não chorarem. Eles disseram que precisariam fazer exames para investigar o que elas tinham.

As duas foram para o berçário, mas a Ana Júlia piorou e foi para a UTI. Alguns dias depois o médico chamou eu e minha mãe para nos atualizar da situação. Ele disse que elas continuavam sem chorar, que não abriam os olhos, passavam o tempo todo dormindo, não se mexiam, não tinham nenhum reflexo de dor quando eram furadas na veia.

Só chorava, não entendia por que elas estavam daquele jeito. Tinha muito medo de que elas ficassem assim para sempre.

Meu leite desceu e fui orientada a tentar amamentar a Ana Sofia. A fonoaudióloga me ajudava, a colocava no meu peito, mas ela não mamava, não tinha o reflexo de sucção. Fiquei triste porque quando estava grávida sonhava em amamentar as minhas filhas. Aos poucos fomos descobrindo que elas não reagiam a nada.

Após um mês e 21 dias na UTI, a Ana Júlia e melhorou e foi para o berçário. Algumas semanas depois, o médico deu alta, disse que apesar de não ter descoberto o que elas tinham, como elas estavam conseguindo respirar sozinhas, nós poderíamos ir embora. Se elas piorassem era para voltarmos ao hospital.

“Conversava bastante com elas e pedia que abrissem os olhos”

img_0948-1024x573 Mãe de bebê que “dorme” há 1,5 ano sonha em ouvir o choro da filha

Elas ficaram um mês em casa e continuaram com o mesmo comportamento, tudo o que fazia com elas, como dar banho, trocar fralda, trocar de roupa, dar o leite de 3 em 3 horas, era com elas dormindo. Conversava bastante com elas, pedia: ‘Abre o olho para a mamãe, mamãe quer ouvir o chorinho de vocês’, mas nada acontecia.

Teve alguns episódios em que elas mexeram o rostinho e ficaram com as mãos tremendo, imaginei que elas finalmente estavam reagindo. Gravei essas cenas e levei para a neuropediatra no dia da consulta, mas ela me explicou que aquilo eram crises de convulsão e orientou que elas fossem internadas imediatamente. Foi o que aconteceu.

Ao longo dos meses, elas foram submetidas a vários exames, a equipe que cuidava delas entrou em contato com profissionais do Brasil todo na tentativa de fechar um diagnóstico, mas não chegaram a nenhum. Tentaram transferi-las para outros hospitais com mais recursos, mas ninguém queria pegar o caso delas.

Os médicos me falavam que elas estavam num sono profundo, em coma desde o nascimento —mas que eles iam continuar investigando.

Ficava aflita de vê-las daquele jeito, mas nunca reclamei ou questionei Deus por que elas nasceram dessa forma. Algumas pessoas chegaram a dizer que isso era castigo, mas não acredito nisso. Só Deus sabe o motivo. Desde que as minhas filhas nasceram, tenho vivido para elas, fico dia e noite no hospital, revezo com a minha mãe. Se não fosse pela ajuda e apoio dela, não teria aguentado tudo o que aguentei até agora.

mas elas só pioraram

img_0949-775x1024 Mãe de bebê que “dorme” há 1,5 ano sonha em ouvir o choro da filha

Com o tempo, as meninas só pioraram. Os médicos não davam mais esperança, diziam que a qualquer momento elas poderiam morrer, principalmente a Ana Júlia, pela gravidade do quadro dela, que precisou ser intubada. As convulsões se tornaram mais frequentes e elas pegaram algumas infecções.

A Ana Júlia já tinha sofrido tanto que falava para Deus: ‘Pai, a minha oração é para que o Senhor a cure, mas que seja feita a tua vontade e não a minha. Se a tua vontade for levá-la para que ela não sofra mais, que o Senhor a leve’.

A Ana Júlia teve muitas complicações, sofreu uma parada cardíaca e morreu no dia 26 de janeiro de 2020, aos oito meses. Chorava e gritava de desespero. No dia seguinte, enterrei minha filha, uma parte de mim foi com ela. Todos os dias penso nela e sinto uma dor forte no coração.

Da parte da medicina, não tenho mais esperanças em relação à Ana Sofia. Os próprios médicos já disseram que mesmo que eles descubram a doença que ela tem, essa descoberta não vai beneficiá-la, apenas outras crianças que venham a nascer com o mesmo problema.

Da parte de Deus, continuo tendo fé que se Ele quiser, pode curar minha filha.

Atualmente, Ana Sofia está sedada na UTI, bastante debilitada, ela continua dormindo e respirando com a ajuda de aparelhos. Meu sonho é ela ser curada, quero que ela acorde desse sono, quero ver os olhinhos dela, quero ouvir o choro e poder levá-la para casa”.

Diagnóstico das gêmeas é mistério para médicos

Pedimos a Izabella Sad Barra, pediatra do Hospital Regional Público do Araguaia, no Pará, e uma das médicas que acompanhou as gêmeas, para explicar o quadro das meninas:

No início, pensamos que pudesse ser alguma sequela de anóxia ao nascimento, que é quando falta oxigênio no cérebro devido à prematuridade ou até por ter passado um pouco da hora de nascer. A anóxia causa um quadro de paralisia cerebral na criança, podendo ser de vários níveis. No caso das gêmeas, achamos que o quadro clínico não era muito compatível, porque os bebês com paralisia cerebral acordam, choram, apresentam sucção, e elas não apresentavam nada desde o nascimento. Sendo assim, essa hipótese foi descartada.

Começamos a investigar os erros inatos do metabolismo (EIM), que são distúrbios de natureza genética que geralmente correspondem a um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma via metabólica. Ocasionam, portanto, alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo. Não os descartamos completamente, mas a maioria dos exames deram negativo. O que deu positivo foi uma alteração mínima, que também acreditamos não ser o único diagnóstico das meninas. Os sintomas mais comuns de EIM são convulsões, atrasos no desenvolvimento, hepatopatia (alguma doença ou alteração no fígado), hipoglicemia (baixa taxa de açúcar no sangue). Elas apresentavam convulsões e hipoglicemia. Nunca chegamos a um diagnóstico definitivo.

A Luana, mãe das gêmeas, foi submetida a uma cirurgia durante a gestação por causa da apendicite, mas descartamos que isso tenha tido influência no quadro das meninas.

Durante um bom tempo, a Ana Júlia e Ana Sofia respiravam sozinhas, chegaram a ter alta hospitalar. Como ficaram um longo período na enfermaria, tiveram algumas infecções, às vezes precisando de oxigênio inalatório, mas nada por muito tempo, até a respiração piorar e precisarem de ventilação mecânica na UTI pediátrica.

Classificamos o quadro comatoso pela escala de Glasgow. As meninas estão em coma desde que nasceram. Não havia abertura ocular espontânea, nem com estímulo, não havia resposta motora a dor, não choravam, não movimentavam os membros, não reagiam a nada, estavam sempre em sono profundo.

Desde muito pequenas tentamos estimular a sucção ao seio materno, ou na chuquinha, mas sem sucesso. Elas sempre usaram sonda orogástrica para se alimentar, e tinham um bom ganho de peso. A diurese (xixi) era boa. Para evacuar, quase sempre, precisavam de estímulo com supositório.

Infelizmente, o quadro da Ana Julia piorou e ela morreu. Não temos boa perspectiva em relação a Ana Sofia, ela necessita de ventilador para respirar, se alimenta por gastrostomia e apresenta crises convulsivas. Sem um diagnóstico fechado, fica difícil pensar em alta.

UOL

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