Remédios antivirais avançam e drogas específicas contra a Covid-19 ganham terreno em testes clínicos

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Foto: AFP PHOTO /Merck &amp / AFP

Após um ano e meio de pesquisa, finalmente as primeiras drogas antivirais desenvolvidas especificamente para a Covid-19 começam a atingir os testes clínicos. Apesar de vacinas terem avançado em tempo recorde, ainda não existe uma pílula simples capaz de atacar o coronavírus indicada para pacientes não internados.

Uma droga sintética conseguiu agora, porém, entrar em testes de eficácia em humanos, e outras duas estão prestes a seguir pelo mesmo caminho.

Um dos problemas para a busca de medicamentos contra o Sars-CoV-2 é que as tentativas de reaproveitar drogas já existentes, o atalho mais rápido, surtiram pouco efeito. Antivirais que já existiam para combater outros patógenos tiveram resultado ruim, e cientistas tiveram que começar a projetar drogas a partir do zero.

Na última semana, a empresa de biotecnologia Molecular Partners anunciou que seu fármaco antiviral desenvolvido especificamente para Covid-19 entra em fase 2 de pesquisa, onde é feita uma avaliação preliminar de eficácia em humanos. Algumas drogas ainda em fase de pesquisa pré-clínica (em animais ou tubo de ensaio) também já anunciam intenção de seguir em frente com humanos.

Duas delas, da classe dos diABZIs (diaminobenzimidazóis), tiveram bons resultados relatados após testes com camundongos. As iniciativas partiram de dois grupos americanos diferentes, um deles da Universidade de Massachusetts com a farmacêutica GSK, outro da Universidade da Pensilvânia com os NIH (Institutos Nacionais de Saúde). As pesquisas ganharam destaque na revista Science.

Até agora, a maior parte dos tratamentos antivirais criados para Covid-19 que conseguiram avançar são baseados em anticorpos monoclonais. Eles envolvem a produção em massa desses agentes do sistema imune humano e são considerados “biofármacos”, não drogas convencionais. Essa abordagem, que ficou famosa com o tratamento da empresa Regeneron usado pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump, infelizmente ainda é cara e de difícil aplicação, em geral na forma de soro intravenoso.

A criação de uma droga sintética barata ainda está no campo da promessa, mas as três que despontam no horizonte já se qualificam para isso. A droga da Molecular Partners é só a primeira desenvolvida especificamente para Covid-19 a entrar em testes humanos, e outras como as diABZIs devem entrar no jogo também, dizem os cientistas.

Mas é é na fase humana que começa o grande desafio.

— A taxa de insucesso é grande, sim, quando se entra nos testes clínicos. Em pesquisas contra outras doenças, muitos estudos já foram abortados em fases 2 ou 3, alguns após oito ou nove anos de desenvolvimento — explica Greyce Lousana, presidente da Sociedade Brasileira de Profissionais de Pesquisa Clínica (SBPPC). — A indústria farmacêutica navega em muitas incertezas, por isso que quem investe nesse mercado sabe que tem muita chance de perder, e que quando ganha tem que repor o que perdeu.

Segundo o relatório da BIO, um investimento maciço do setor de biotecnologia na Covid-19 permitiu algum avanço na taxa de sucessos, mas o retorno ainda é incerto. De acordo com a organização, de 257 pesquisas de terapias antivirais que a empresa mapeou contra a doença, 61% ainda não conseguiram passar do estágio pré-clinico de pesquisa e 10% já interromperam os testes. Motivos para desistir são diversos, como fracasso na pesquisa, falta de verba para continuar ou perspectivas de mercado ruins.

A taxa de progresso entre os antivirais está menor do que entre as vacinas para Covid-19. Dessas, dez já estão autorizadas, e outras 18 estão nos testes de fase 3 em humanos, última etapa antes da liberação.

Sucesso relativo

Segundo um levantamento da Organização para Inovação em Biotecnologia (BIO), o único antiviral novo que já recebeu aprovação definitiva para uso é o rendesivir, da empresa Gilead, mas seu desempenho foi tão sutil que a droga não foi endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma outra droga reaproveitada de pesquisas anteriores, o molnupiravir, da multinacional Merck, está agora em fase 3 de pesquisa e atrai mais expectativa.

Mas a galeria dos derrotados, que não conseguiram demonstrar nenhuma eficácia ou desistiram por outros motivos, é grande. Estão nela várias drogas preexistentes usadas em outras doenças, sendo o caso mais famoso a hidroxicloroquina, usada para malária. É por esse motivo que médicos ainda não reconhecem que exista algo como um “tratamento precoce” contra a Covid-19.

Segundo Mauro Schechter, professor titular de infectologia da UFRJ, a insistência na busca de uma droga com essas características é mais do que justificada.

— Se aparecer um comprimido que seja capaz de combater o vírus de forma a afetar a progressão da doença e a abortar a transmissão, isso teria um impacto enorme — diz o cientista. — Para isso, é preciso encontrar alguma coisa no ciclo vital do agente infeccioso que bloqueie o seu processo de replicação e ao mesmo tempo não interfira em processos do organismo humano, de forma a minimizar a probabilidade de toxicidade.

Antiinflamatórios

Apesar da dificuldade de se criar um antiviral de ação específica que possa ser consumido na forma simples de uma pílula, a indústria farmacêutica conseguiu avançar bastante na pesquisa de medicamentos secundários. Os principais são os antiinflamatórios, para controlar a reação imune às vezes provocada pelo coronavírus, e medicamentos de suporte para função pulmonar ou cardiovascular, afetadas pelo patógeno.

A própria OMS encerrou sua iniciativa global de apoio a testes clínicos de antivirais e desviou o foco para medicamentos corticoides e outros que têm ajudado a salvar vidas em UTIs, controlando processos inflamatórios para deixar o próprio sistema imune dos pacientes trabalhar contra o vírus.

Apesar de o avanço clínico não depender exclusivamente do surgimento de um antiviral, porém, a julgar pela quantidade de pesquisas ainda em estágio inicial, cientistas e indústria farmacêutica continuam apostando nessa classe de droga. A BIO contabiliza agora 176 drogas em estágio pré-clínico de desenvolvimento contra 143 de todos os outros tipos.

O Globo

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