Sem contrato, médicos de Osasco não têm salário se ficarem doentes

Profissionais não possuem direitos trabalhistas e relatam insegurança no município. Especialista aponta vínculo empregatício

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Médicos relatam clima de insegurança na cidade

REPRODUÇÃO/GOOGLE STREET VIEW

Médicos que atuam em Osasco (SP) estão trabalhando, desde fevereiro, sem contrato para as organizações sociais de saúde que assumiram a rede do município.

Os profissionais apontam a falta de condições de trabalho e convivem com a insegurança generalizada devido à falta de vínculos empregatícios com as empresas.

 

 

No início do ano, chegaram a ficar com três meses de salários atrasados.

Sob anonimato, um médico que trabalhou no município relatou ao R7 que a mudança para as novas organizações (Medical Corp e Dermacor), em fevereiro, ocorreu sem qualquer consulta aos profissionais, e os problemas da gestão anterior também permaneceram nas atuais.

“Os médicos estão muito inseguros, afinal a forma atual é um contrato temporário que se encerra em 180 dias (após fevereiro). E não há garantia de que todos vão receber de fato. Também se sentem inseguros pra denunciar. Não tendo o vínculo, eles podem ser cortados da escala, demitidos e não receber mais”, afirma o profissional, que deixou de trabalhar na cidade justamente pela razão relatada.

Segundo os profissionais que conversaram com a reportagem, o clima de incertezas com a falta de contrato, a mudança de empresas gestoras e os recentes atrasos nos pagamentos tem causado rotatividade na rede de saúde – centenas deixaram o município desde o começo do ano –, o que prejudica a população.

A falta de um vínculo, diz o médico denunciante, resulta em vários problemas. Além de estarem sujeitos a cortes arbitrários na escala e a demissões, os médicos não recebem durante o afastamento por doenças, como a covid-19.

Foi o que ocorreu com uma outra médica, que preferiu não se identificar. Ela esteve afastada por 30 dias após contrair o vírus, em abril de 2020, e não recebeu nem o pagamento, nem qualquer forma de auxílio durante o período.

“Fiquei internada e tenho todos os documentos que comprovam minha estadia no hospital, avisei meu gestor e não recebi nem um centavo. Não temos vínculo de trabalho. É ruim porque não temos garantia de nada. Não podemos adoecer, tirar férias, porque as contas vão vir. É tudo muito nebuloso. Está difícil trabalhar em Osasco, e cada vez mais percebo os profissionais desanimados”, relata ela, que também observa um grande fluxo de médicos chegando e deixando os postos da cidade devido à forma de contrato com as organizações.

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“Se essa situação seguir assim, a população sofre também. Precisamos ter condições trabalhistas, ter essa segurança. A gente quer trabalhar, dar nosso melhor, mas vamos desanimando. Eu já penso em sair”, comenta.

A situação de desconfiança e medo se tornou recorrente entre os médicos. Uma outra médica, que também por medo de represálias se identificou apenas como Natália, relata que trabalhou por dois meses em uma UBS da cidade e, em junho passado, foi comunicada em uma noite, às 22h, que não precisaria mais trabalhar no dia seguinte. Além do aviso repentino, ela não recebeu pelos primeiros dias trabalhados naquele mês.

Dias depois, foi chamada para trabalhar em uma outra unidade do município, desta vez para a terceirizada Pires & Vanci, responsável pelo atraso recente de três meses dos salários dos médicos da cidade. Embora estivesse recebendo, Natália relata que os pagamentos chegavam 60 dias depois do fechamento do mês e em datas distintas, além de sequer ter recebido sua cópia do contrato.

“Isso me deixava mais insegura ainda. Sempre fui muito mal informada e sempre me trataram muito mal quando eu buscava informações junto a essa OS”, conta. Em fevereiro, ela foi informada às pressas de que não trabalharia mais para a Pires & Vanci devido à troca das organizações de saúde na cidade. A Dermacor, empresa para a qual trabalharia, entrou em contato e a informou que, a partir do dia seguinte, ela ia receber R$ 50 a menos por hora – posteriormente, após negociações com a prefeitura, o município manteve os valores dos salários.

“Se não bastasse isso, naquele momento os pagamentos de dezembro, janeiro e primeira metade de fevereiro ainda estavam atrasados e não havia nenhuma garantia de que receberíamos”, relata. Ela trabalhou por mais dois dias, mas era a única médica que havia ficado naquela UBS. Se sentindo insegura diante daquele contexto, comunicou ao gestor e à secretaria que deixaria o trabalho.

Presidente do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), Victor Vilela afirma que os problemas relatados já ocorriam com outras organizações, há cerca de três anos. Para ele, é primordial que os profissionais tenham vínculos formais de trabalho.

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“Queremos a regularização dos vínculos de trabalho. Conseguimos que não baixassem o salário nessa troca, mas salário mantido com irregularidades também não é proposta [pra nós]. Não é uma coisa aceitável que, para se manter o valor dos salários, isso se dê de forma irregular. Não devia nem ser uma proposto esse absurdo. O pagamento do salário adequado não pode estar vinculado a uma irregularidade, vivendo dia e noite sob a ameaça de receber calote”, diz Vilela.

O professor de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo), Flavio Batista, confirma a defesa de Vilela e aponta que a atuação dos médicos na cidade configura vínculo empregatício. Segundo Batista, é possível fazer contratações eventuais sem vínculo, como para cobrir plantões pontuais. Porém, prossegue, “a contratação com escalas regulares configura a habitualidade, que é, também, elemento do vínculo empregatício”.

Além disso, assegura o especialista, quando há vínculo, a quantidade de horas e plantões distribuídas não pode ficar a cargo do empregador. “Se não houver uma definição prévia de jornada normal (44 horas semanais, em regime de compensação) ou parcial, deve-se observar os requisitos formais para a contratação de trabalho intermitente”, diz.

Problemas de anos

Algumas das situações descritas pelos médicos de Osasco já se estendem há anos, segundo Victor Vilela. As formas de contratação sem vínculo empregatício são, pelo menos desde 2017, a prática padrão no município.

“Esses profissionais que são PJ [Pessoa Jurídica], não só em Osasco como outros lugares, por estarem na linha de frente, ao adoecerem são simplesmente retirados das escalas sem receber qualquer assistência, sem receber nada por 15 dias, um mês ou mesmo se morrerem também não há qualquer proteção trabalhista. E não há nenhum tipo de proteção a eles em casos de atrasos de pagamento”, critica Vilela.

No início deste ano, inclusive, eles chegaram a ficar sem os salários de dezembro a fevereiro, que só foram pagos – pela prefeitura, e não pela Pires & Vanci, pontua – após a categoria marcar uma paralisação.

“Depois de pagos os salários atrasados e resolvida a pauta da paralisação, quando a cancelamos, as negociações não seguiram mais. Parece que só avança quando há ameaça de exposição ou de greve. Não estamos pensando em paralisações agora, mas gostaríamos que as negociações continuassem avançando”, diz Vilela.

Ponto eletrônico

Outro problema apontado pelo médico denunciante é a respeito de um ponto eletrônico recém-proposto pela Dermacor aos médicos das UBSs e policlínicas.

Segundo ele, os profissionais agora terão de utilizar dos seus próprios celulares para assinarem os pontos dos horários de trabalho.

O procedimento não somente fere o princípio da impessoalidade como pode caracterizar vínculo entre o empregador e os profissionais, embora estes últimos não possuam contrato.

“Isso claramente é um vínculo de trabalho. Como esperam identificar a localização no nosso celular pessoal sem nem tem vínculo?”, questiona o médico. O professor Flavio Batista corrobora a tese. Além da atuação por escalas, comenta, o ponto eletrônico também configura vínculo empregatício com as organizações de saúde.

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