As leis que podem ter sido violadas na operação contra empresários

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As buscas e apreensões ordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contra o que chamam de empresários “bolsonaristas” suscitaram pela primeira vez algumas críticas mais contundentes na mídia em relação a possíveis leis violadas. A medida do ministro e dos senadores que a exigiram parece ter pouco amparo na legislação — de fato, há muitas leis que parecem proibir — e punir — a devassa.

As buscas e apreensões foram exigidas pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-PA), Renan Calheiros (MDB-AL), Humberto Costa (PT-PE) e Fabiano Contarato (PT-ES). Todos coincidentemente atuantes na CPI da Covid, que também realizou inúmeros pedidos de quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático fora do permitido pela lei, que exige circunscrição ao seu objeto de investigação.

Algumas leis podem ser citadas que parecem terem sido violadas, quando avaliadas em relação à ação do ministro Alexandre de Moraes a partir dos senadores da CPI da Covid.

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Ausência de autoridade policial ou do Ministério Público

De acordo com o parágrafo segundo do artigo 282 do Código de Processo Penal, “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)”.

A medida “cautelar” (contra o suposto risco de um “golpe de Estado” por um empresário dizer que prefere até enfrentar um regime golpista do que um petista) não envolveu conhecimento de autoridade policial ou do Ministério Público.

Deveria ser um pedido da Polícia Federal ou do Ministério Público a justificar o pedido de busca e apreensão. Quem pediu “apuração séria e aprofundada”, entretanto, não foi nenhuma autoridade policial, e sim o senador Randolfe Rodrigues (Rede-PA), que não possui autoridade para tal pedido.

Na prática, seria o mesmo que um político governista, digamos, uma Bia Kicis, pedir busca e apreensão e quebra de sigilo de mensagens privadas de membros de um grupo de WhatsApp que lhe teça críticas.

Randolfe pediu ainda cópia das mensagens entre o procurador-geral da República Augusto Aras e o que chama de “empresários bolsonaristas”.

A base de seu pedido foi unicamente uma reportagem de Guilherme Amado no site Metrópoles – não há qualquer indício de crime. Em transmissão pelo Twitter, Randolfe Rodrigues conversou com o mesmo Guilherme Amado afirmando que cogita “pedir prisão” dos empresários, o que pode ser considerado extrapolação de função ao tomar o papel de polícia para si.

Além da grave interferência na Polícia Federal e no Ministério Público, o senador Randolfe confessou reiteradas vezes que seu partido, Rede, “tomou o lugar” da PGR, o que pode ser interpretado como grave crime contra a democracia e separação dos Poderes.

Quebras de sigilo forçadas

Pela lei complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, parágrafo 4o, um pedido de quebra de sigilo bancário só pode ocorrer em circunstâncias muito delimitadas, como para apurar terrorismo, tráfico ilícito, contrabando, extorsão, contra o sistema financeiro, nacional, contra a ordem tributária ou previdência, lavagem de dinheiro ou organização criminosa. Nenhum dos crimes elencados parece se encaixar em um comentário informal dizendo que é preferível viver sob um regime golpista do que sob um petista.

Já a lei nº9.296, de 24 de julho de 1996, não admite interceptações telefônicas em três incisos, caso:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constitui infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Como todo o fato que ensejou a medida foi apenas uma frase descontextualizada em uma coluna de Guilherme Amado, e um emoji de resposta, ou ficam proibidos de ofício o emoji de WhatsApp e as figuras de linguagem e arroubos retóricos privados, ou a medida foi criminosa.

Se o meio de obtenção de prova foi ilegal, a autoridade pode ter incorrido em outros crimes a seguir.

Abuso de Autoridade e leis violadas

A Lei de Abuso de Autoridade criminaliza diversas medidas que parecem se enquadrar em diversas invasões de privacidade recentes, culminando na operação de busca e apreensão contra os empresários Luciano Hang (Havan), Afrânio Barreira (Coco Bambu), José Isaac Peres (Multiplan), José Koury (Barra World Shopping), Meyer Nigri (Tecnisa), Luiz André Tissot (Grupo Sierra) e Marco Aurélio Raimundo (Mormaii).

Pelo seu artigo 13, inciso II, fica proibido o constrangimento de “submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei”. Também o inciso III criminaliza “produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”. As interceptações foram expostas à demonização pública, tratando uma frase como crime, e feitas para se buscar novas “provas”, no que foi chamado até pela vice-procuradora geral, Lindôra Araújo, de ‘fishing expedition’ – incriminar e forçar novas investigações até que se encontre uma ilação, tratando suspeita como prova.

A pena para a autoridade que forçar o constrangimento é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

O artigo dialoga com o artigo 25 da mesma lei, que criminaliza “Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito”. A pena é detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Seu parágrafo único ainda discrimina que “incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude” – o que também pode ser interpretado em desfavor de declarações recentes do senador Randolfe Rodrigues.

A mesma lei, em seu Artigo 27, ainda proíbe “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”, com pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Caso alguma autoridade tenha afirmado que o pedido foi feito com base em requerimento da Polícia Federal, quando a Polícia Federal apenas pediu apreensão do celular e afastamento de confidencialidade das mensagens tratadas como “golpistas”, pode-se observar o artigo 29, que acusa “Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado”. A pena varia entre 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Um dos artigos mais graves sobre a investigação é o artigo 31, que poderia ser mais conhecido dos brasileiros. Ele proíbe “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”. As investigações estão trocando dados com os inquéritos das fake news (apelidado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello de “inquérito do fim do mundo”), que está há 2 anos sem que os advogados tenham acesso aos autos do processo. Ou seja, seus clientes nem sabem do que são acusados.

Caso as autoridades responsáveis pelo inquérito venham a ser julgadas algum dia, e note-se o adiamento constante apenas para prejuízo dos investigados – inquéritos costumam ter duração máxima de 30 dias –, a pena seria de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O próprio senador Randolfe Rodrigues pediu impeachment do ministro Alexandre de Moraes por conta do inquérito, antes de se valer do mesmo inquérito. Resta saber por que o senador passou a apoiar quem chamou de “carrascos da sociedade”.

 

 

 

Há ainda o artigo 36, que proíbe “decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”, o que pode afetar as empresas e o pagamento de centenas de milhares de funcionários. A pena é detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Histórico de leis de privacidade violadas

Não é a primeira vez contudo em que ambos os personagens são vistos na mesma sintonia para pedidos de quebra de sigilo, cópias de mensagens privadas, buscas e apreensões e outras medidas envolvendo o poder estatal sobre a privacidade de pessoas antes mesmo de se encontrar indícios fortes de crimes.

Ainda na CPI da Covid, criada para se investigar a falta de suprimento de oxigênio em Manaus, senadores pediram quebras de sigilo bancário, telefônico e telemático de sites que foram chamados de “divulgadores de fake news” — o que não foi provado, não seria crime se o fosse e não é objeto de investigação da CPI, recaindo em três crimes pela Lei de Abuso de Autoridade, lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Randolfe Rodrigues foi um dos senadores envolvidos, usando como “prova” para o pedido de quebra de sigilo absoluto chamar a empresa Brasil Paralelo de “amiga do vírus”. A votação pela quebra não durou 3 minutos.

O pedido realizado, sem nem sequer ouvir os investigados (que não poderiam ser investigados pela dita CPI), foi uma invasão completa da privacidade muito maior do que os realizados contra suspeitos de terrorismo.

Os senadores pediram todas as mensagens privadas em todas as redes sociais, todas as mensagens privadas em todos os aplicativos de troca de mensagem, grupos, cópias das fotos, cópia integral do iCloud (!), todas as fotos tiradas, todos os e-mails (mantendo ordem das pastas), todas as geolocalizações, todas as redes Wi-Fi, todo o histórico dos navegadores e de buscas no Google, lista de aplicativos em cada celular, além da quebra de sigilo bancário e fiscal, exigindo até informações médicas e previdenciárias.

Tudo isto em uma CPI que realizou o pedido de maneira ilegal e inconstitucional, por não ter permissão para tal “investigação”.

O total das penas acima elencadas, sem prejuízo de outras provenientes de outras leis que possam ter sido violadas, varia de 4 anos e meio a 18 anos de prisão, além de multas, apenas na última busca e apreensão, sem prejuízo das quebras de sigilo da CPI da Covid.revista oeste

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