Não há desculpa para manter as escolas fechadas

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É o que afirma Cláudia Costin, especialista em educação e ministra da Administração Federal no governo FHC
‘Nosso foco tem de ser recuperar o tempo perdido e dar um futuro para nossas crianças’, diz Cláudia Costin | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um levantamento realizado pela Unesco e divulgado em 24 de janeiro deste ano mostrou que, enquanto a maioria dos países fechou suas escolas por pouco mais de 20 semanas, no Brasil, as crianças e os adolescentes ficaram longe das salas de aula pelo dobro do tempo: 40 semanas. Nesse recorde, o país só se equipara a Argentina, Chile, Moçambique e Etiópia.

De acordo com o estudo, aproximadamente 800 milhões de estudantes no mundo foram afetados e as instituições de ensino passaram, em média, dois terços do ano letivo fechadas. No Brasil, quase 50 milhões de estudantes ficaram entregues à própria sorte — particularmente os 80% matriculados em escolas públicas. Destes, cerca de 25% não têm acesso à internet.

Na semana passada, o Estado de São Paulo determinou a volta às aulas presenciais. Ainda assim, nem todas as escolas reabriram 100%, bem como em outros lugares do país. Segundo Cláudia Costin, especialista em educação e ministra do governo FHC, não há desculpa para manter os colégios fechados. A seguir, os principais trechos

1 — Apesar da recomendação do Ministério da Educação (MEC) e de secretarias estaduais pela volta às aulas presenciais, ainda há resistência de pais, professores e prefeituras. Por quê?

Entre outros fatores, há políticos que usam a movimentação de alguns professores, sobretudo sindicalizados, com a finalidade de adiar ainda mais a volta às aulas. Apesar de a maioria dos educadores já estar vacinada com a segunda dose, há aqueles que defendem o retorno só no ano que vem. Não há desculpa para não reabrirmos as escolas. Ficamos tempo demais com aulas à distância. Boa parte dos municípios ofereceu o ensino remoto, entretanto, insuficiente para o aprendizado de todos. As crianças estão há quase dois anos sem aulas presenciais. Nesse período, ressurgiu o trabalho infantil. O país tem crianças de 11 a 12 anos desempenhando funções impróprias para sua idade. Muitas famílias em vulnerabilidade se sentiram tentadas a usar seus filhos como força de trabalho. Estamos mais distantes de um Brasil inclusivo.

2 — Falta coordenação entre o MEC e as secretarias de Educação?

Melhorou um pouco, mas ainda há um discurso desarmônico. Entre outros gargalos, precisamos que o Sistema Nacional de Educação, previsto na Constituição, viabilize articular as ações entre Ministério da Educação (MEC) e Estados e municípios. Ao longo da pandemia, a esfera federal teve maior protagonismo em países com sistema federativo semelhante ao nosso. Precisamos disso aqui também. Faz-se necessário que os governos se alinhem. Estamos na pior crise da educação da história do país.

3 — No ano da pandemia, 4 milhões de jovens abandonaram os estudos, segundo uma pesquisa encomendada pelo banco digital C6 Bank. O que fazer para trazer esse público para dentro da sala de aula?

Com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância, vários Estados já estão em busca dos que abandonaram a sala de aula. Há dois níveis dessa “operação”: 1) a procura por estudantes durante os primeiros meses do fechamento; 2) encontrar os que não voltaram depois da retomada das aulas em alguns Estados e municípios. Para que consigamos recuperar mais gente, é preciso que se torne obrigatória a volta às aulas presenciais no país.

“O Brasil precisa, urgentemente, de uma escola em tempo integral, direcionada às necessidades do aluno”

4 — O ensino remoto aprofundou a desigualdade social?

O ensino remoto em si, não, porque precisávamos fazer algo durante o processo de fechamento dos colégios. O problema está em manter esse formato por muito tempo. A maioria das crianças de famílias em vulnerabilidade não tem acesso a livros, a computadores e à internet. Além disso, seus pais estão trabalhando e não podem ajudá-los em todo o processo educacional, situação diferente de famílias de classe média. Ao comparar esses dois mundos, evidentemente o abismo entre eles ficou maior.

5 — Com o fim da pandemia, qual a escola que precisamos construir? 

Antes de mais nada, tirar o freio de mão e acelerar. O Brasil precisa, urgentemente, de uma escola em tempo integral, direcionada às necessidades do aluno, e não entupindo o estudante com várias matérias de que ele não conseguirá dar conta. Essa modalidade possibilita o acúmulo de aprendizagem com maior solidez. Dessa forma, conseguiremos reparar a maior parte dos danos provocados pelo fechamento prolongado das escolas. Não é à toa que Pernambuco, onde predomina o ensino integral, se saiu relativamente bem nesse período, se comparado a Estados com o mesmo nível de desenvolvimento socioeconômico. Se lá é possível, por que em outros Estados não? Nosso foco tem de ser recuperar o tempo perdido e dar um futuro para nossas crianças. Revista oeste

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